O Direito de Família se ocupa com relações fáticas e jurídicas constituídas entre pessoas físicas e que ostentem, ao menos em linhas conceituais, natureza duradoura. Assim é que esta área do direito contém normas jurídicas relacionadas com a estrutura, organização e proteção da família, definindo obrigações civis e morais entre cônjuges, pais e filhos, irmãos, enfim, todos os sujeitos do cada vez mais intrincado conceito de “família”.
Entre estas normas está o dever de mútua assistência (artigo 1.566, inciso III do Código Civil), que deve existir entre os cônjuges: com efeito, o casamento partirá sempre do desejo dos nubentes de que seja uma união permanente entre estes, a fim de se ajudarem mutuamente e de constituírem família, isto é, de estabeleceram plena comunhão de vida, comprometendo-se um pela felicidade, bem-estar e afeição do outro. Só assim o casal, ajudando-se mutuamente, poderá superar as tortuosidades da vida.
Mas diversas podem ser as razões em que, ao longo do relacionamento, o casal se depare com tortuosidades que tornem impossível a manutenção da vida comum, como é caso da incompatibilidade de gênios. Neste cenário, mesmo que o divórcio possa representar a melhor alternativa ao fragilizado casal, inequívoco que, apesar do fim do casamento pelo divórcio, devem as partes saber que o dever de mútua assistência possuirá, sempre, certa sobrevida, pois durará para além da extinção da sociedade conjugal.
Esse dever transitório que os ex-cônjuges têm de continuar sustentando um ao outro, mesmo após o divórcio, está previsto no artigo 1.694 do Código Civil, a depender, é claro, da demonstra da efetiva necessidade do alimentado (isto é, que não possua condições patrimoniais de prover sua própria subsistência, nem mesmo tenha condições de fazê-lo por seu próprio trabalho) e das possibilidades de prestação do alimentante (ou seja, que o devedor possa prestar os alimentos sem prejuízo de sua subsistência e de sua situação social). Assim, se os alimentos visam assegurar vida digna a quem deles necessita, não podem prejudicar a dignidade de quem os deva prestar.
Em outras palavras, o dever matrimonial de mútua assistência entre os cônjuges consiste em proverem a subsistência um do outro, seja durante o casamento ou logo após o seu término, perpetuando para além do divórcio. Contudo, a jurisprudência já se firmou no sentido de que os alimentos devidos ao ex-cônjuge têm o caráter de transitoriedade, servindo apenas para viabilizar a reinserção deste no mercado de trabalho ou para o desenvolvimento da capacidade de sustentação por seus próprios meios e esforços.
A partir daí, várias correntes doutrinárias e jurisprudenciais ainda discrepam em relação às possibilidades de exoneração deste dever alimentar entre os ex-cônjuges: há quem diga que a exoneração é possível, desde que comprovada alteração das necessidades do alimentado e das possibilidades do alimentante; há quem diga que os alimentos deveriam, desde o divórcio, ser fixados por prazo certo, com data para começar e data para terminar; e há quem diga que, se os alimentos foram pagos por longo prazo, desnecessária é até mesmo a comprovação de alteração das condições de fortuna das partes, dada a presunção de reversão da condição desfavorável que o alimentado detinha.
Sem prejuízo de outras vertentes e minudências que uma determinada situação possa assumir, e que dependerá de análise mais percuciente do caso concreto, somos da opinião que os alimentos entre cônjuges devem assumir caráter de transitoriedade, não podendo servir de estímulo ao ócio do alimentado.
Assim, entendemos que, superado um determinado período desde o divórcio, os resíduos do dever de mútua assistência devem desaparecer, justamente porque há de se esperar que os ex-cônjuges se sentirão impelidos, em muitos aspectos de suas novas vidas, a responderem pelas escolhas que fizeram, reconstruindo os espaços e sentimentos que o divórcio possa ter neles vulnerado, inclusive a capacidade de prover seu sustento: só assim o divórcio caracterizará não só o rompimento da vida comum, como também a independência econômica que se dessume da extinção do dever de mútua assistência.
Por tudo isso, a nosso juízo, a feição que melhor representa os alimentos entre os cônjuges é a de natureza negocial, com caráter temporário, justamente para que um não negue ao outro, em momento de necessidade, a assistência que em seu íntimo havia jurado por toda a vida. Mas, uma vez dissolvida a união que se previra duradoura, razão não há para que um cônjuge fique vinculado a outro indefinidamente. Portanto, superado período de tempo suficiente desde o divórcio – e ressalvadas condições específicas, como a incapacidade para o trabalho –, o dever de mútua assistência tenderá a desaparecer, podendo o alimentante postular em Juízo a exoneração do dever de prestar alimentos.
Diego Meneguelli Dias, graduado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2012) e especialista em Direito das Sucessões, é o sócio da Ferreira e Santos Advogados responsável pelas áreas de família e sucessões e direito societário.